Ao Cadáver

É impossível esquecer nosso primeiro contato. Você, antigo templo de uma alma, de emoções, alegrias e tristezas, que havia vivido e agora se achava embebido no formol que irritava meus olhos, nariz e pele. Lembrei-me de que seu corpo nasceu do amor de duas almas, cresceu embalado pela fé e pela esperança daquela que em seu seio o agasalhou. Sorriu e sonhou os mesmos sonhos das crianças e dos jovens. Por certo amou e foi amado e sentiu saudades de outros que partiram. Acalentou e esperou um amanhã feliz, e agora jaz na fria lousa, sem que por você fosse derramada uma lágrima sequer, sem que houvesse uma só prece. Seu corpo sem vida, despido e frio, seu rosto anônimo e sua inércia eterna se entregaram às minhas mãos como se quisessem oferecer-me a chave dos enigmas que minha sede de conhecimento precisava desvendar. Seu nome só Deus sabe. Mas o destino inexorável deu-lhe o poder e a grandeza de servir à humanidade, ensinando-me a maneira de diminuir sofrimentos, promover a cura e prolongar a vida de quem ainda possui uma alma no seu corpo. A humanidade, que por você passou indiferente, agora vê e escuta o quão você é e será sempre importante através de meu honrado obrigado.